A Lei Anticorrupção Brasileira (Lei nº 12.846/2013), promulgada em resposta à necessidade urgente de combater a corrupção sistêmica no país, representa um marco significativo no esforço de fortalecer as instituições e promover o desenvolvimento econômico e social. No entanto, a mera existência dessa legislação não foi suficiente para erradicar a corrupção no Brasil, como evidenciado pelo Índice de Percepção da Corrupção de 2023, no qual o país ocupa a 104ª posição com uma nota de 36, revelando uma percepção de integridade ainda alarmantemente baixa. Este cenário desafia a eficácia das medidas punitivas previstas na lei e aponta para a necessidade de estratégias complementares e integradas, como a implementação de programas de compliance.
O termo “compliance” deriva do inglês “to comply with”, que significa “obedecer a algo”. No contexto empresarial, compliance se refere ao conjunto de práticas que asseguram que a empresa e seus membros estejam em conformidade com as leis, regulamentos e padrões éticos aplicáveis. Nessa linha, a Lei Anticorrupção não apenas introduziu sanções rigorosas para atos de corrupção, mas também incentivou a adoção de programas de compliance, estabelecendo atenuantes de penalidade para empresas que implementarem tais programas de forma eficaz, os quais são concebidos não apenas como ferramentas de governança, mas como mecanismos fundamentais para a criação de uma cultura corporativa ética e transparente.
A implementação de programas de compliance visa instituir uma cultura organizacional baseada em respeito, ética e mitigação de riscos. Essas práticas vão além do simples cumprimento legal, pois promovem uma transformação interna que reflete na seriedade com que a empresa se posiciona no mercado, afinal, uma empresa que adota um robusto programa de compliance sinaliza para consumidores, fornecedores e para a sociedade em geral, um compromisso firme com a integridade e a boa governança.
Vale citar que, nos dias atuais, a imagem corporativa é um dos ativos mais valiosos de uma empresa e a associação com práticas éticas de governança se torna um diferencial competitivo crucial, sem contar que os benefícios dos programas de compliance são multifacetados. Do ponto de vista econômico, a adoção dessas práticas pode reduzir significativamente os custos associados à reparação de danos e à aplicação de sanções, visto que empresas que se comprometem com a conformidade e a transparência evitam os riscos de envolvimento em escândalos de corrupção, os quais podem resultar em multas pesadas e danos irreparáveis à reputação. Além disso, a confiança gerada pela observância das normas de compliance pode aumentar a lealdade dos clientes e atrair novos negócios, potencializando as receitas.
Outro ponto diz respeito à redução de custos, que consiste em um dos benefícios mais tangíveis dos programas de compliance, dado que ao prevenir práticas ilícitas e comportamentos antiéticos, as empresas minimizam o risco de enfrentar multas e outras penalidades associadas a atividades corruptas. Isso inclui não apenas multas diretas, mas também os custos indiretos de investigações, litígios e possíveis interrupções nas operações. Adicionalmente, a implementação de um programa de compliance eficaz pode reduzir os custos de seguros, já que as seguradoras podem oferecer prêmios mais baixos para empresas que demonstram um compromisso sério com a conformidade e a ética.
Menciona-se também como ponto de benefício o fortalecimento da reputação e da imagem corporativa. Em um mercado competitivo, a confiança é um ativo inestimável, significa dizer que empresas que são percebidas como éticas e transparentes tendem a atrair e reter clientes com mais facilidade. Nesse viés, a reputação de integridade pode também facilitar o acesso a capital, pois investidores e instituições financeiras preferem associar-se a empresas que mantêm altos padrões de governança. Além disso, uma boa reputação pode atrair talentos, uma vez que profissionais qualificados procuram trabalhar em ambientes que valorizam a ética e a transparência.
Os programas de compliance também promovem a sustentabilidade a longo prazo. Ao instituir uma cultura de conformidade, as empresas não apenas cumprem as exigências legais, mas também desenvolvem práticas de gestão mais robustas e resilientes, o que inclui a capacidade de identificar e mitigar riscos antes que se tornem problemas maiores, garantindo a continuidade dos negócios em um ambiente regulatório em constante evolução. Dito isto, torna-se evidente que as empresas com fortes programas de compliance estão melhor preparadas para enfrentar mudanças legislativas e regulatórias, mantendo-se competitivas e evitando disrupções.
Contudo, a efetividade da Lei Anticorrupção e dos programas de compliance depende de uma aplicação rigorosa e contínua, sendo certo que a persistência de altos índices de corrupção no Brasil sugere que a simples existência de uma legislação punitiva não é suficiente para o combate à prática ilícita. Desse modo, a implementação de programas de compliance deve ser genuína e profundamente enraizada na cultura organizacional, dado que apenas quando estes programas são adotados de forma proativa e integrada, podem realmente prevenir práticas ilícitas e minimizar os riscos de corrupção.
Embora a Lei Anticorrupção tenha introduzido importantes mecanismos para responsabilizar juridicamente as empresas envolvidas em atos de corrupção, outra face desta legislação está vinculada à sua capacidade de fomentar uma cultura de conformidade e ética. A adoção de programas de compliance, incentivada pela lei, representa um passo crucial nessa direção, mas exige um compromisso contínuo e uma aplicação prática consistente para alcançar os resultados esperados.
Em conclusão, a Lei Anticorrupção Brasileira e a implementação de programas de compliance são elementos interdependentes na luta contra a corrupção. Enquanto a legislação estabelece a estrutura necessária para responsabilizar juridicamente as empresas, os programas de compliance fornecem os mecanismos práticos para assegurar a conformidade e promover uma cultura organizacional ética, a fim de evitar a prática de atos ilícitos na governança da empresa.
Assim sendo, a efetividade destas medidas reside na integração das práticas de compliance na rotina empresarial, na formação de uma cultura de integridade e na aplicação rigorosa das normas. Somente através dessa abordagem holística e comprometida, o Brasil poderá avançar significativamente na redução da corrupção e na promoção de um ambiente empresarial mais justo e transparente.
JOÃO VITOR MEIRELLES
Advogado Empresarial