No contexto do direito processual civil brasileiro, o foro de eleição representa uma cláusula contratual fundamental em contratos de natureza cível, à medida que atribui às partes a possibilidade de determinar previamente o tribunal competente para solucionar eventuais litígios relacionados ao negócio jurídico formalizado. Tem-se que a prática assegura previsibilidade e segurança jurídica às partes, proporcionando um ambiente mais estável para suas relações comerciais e contratuais.

Antes da promulgação da Lei nº 14.879/2024, o Código de Processo Civil de 2015 (“CPC”) regulava a eleição de foro de forma relativamente ampla. Segundo o artigo 63 do Código de Processo Civil, a cláusula de eleição de foro precisava estar formalizada por escrito e referir-se explicitamente a um determinado negócio jurídico, sem impor restrições territoriais específicas. Essa abordagem conferia às partes uma considerável autonomia na escolha do foro, permitindo que optassem por tribunais que considerassem mais favoráveis ou convenientes, independentemente de sua conexão territorial com o litígio.

Contudo, essa liberdade de escolha frequentemente resultava em práticas abusivas, como o chamado “forum shopping”, no qual uma das partes selecionava um foro estrategicamente vantajoso, muitas vezes sem qualquer relação substancial com as partes envolvidas ou com a natureza do litígio. Esse fenômeno, embora legalmente amparado, gerava distorções no sistema judicial e prejudicava a equidade e eficiência na resolução de conflitos, conforme justificou o Congresso Nacional ao sancionar a nova Lei.

Com a entrada em vigor da Lei nº 14.879/2024, o panorama do foro de eleição sofreu mudanças significativas, com ênfase na imposição de requisitos mais rigorosos à validade da cláusula de eleição de foro. Para se compreender as mudanças trazidas pela nova legislação, apresenta-se uma tabela comparativa entre a redação original do artigo 63 do Código de Processo Civil e a sua nova redação:

Artigo 63 – Redação Original Artigo 63 – Redação a partir da Lei nº 14.879/2024
Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.

1º A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico.

2º O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.

3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.

4º Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão.

Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.

1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor.
(Redação dada pela Lei nº 14.879, de 4 de junho de 2024)

2º O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.

3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.

4º Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão.

5º O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício.
(Incluído pela Lei nº 14.879, de 4 de junho de 2024)

1Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/06/05/nova-regra-para-escolha-de-local-de-julgamento-civil-ja-esta-em-vigor#:~:text=Segundo%20a%20Lei%2014.879%2C%20de,N%C3%A3o%20houve%20vetos>.

Em primeiro lugar, no que diz respeito às alterações do § 1º, agora, além de estar formalizada por escrito e se referir a um negócio jurídico específico, a cláusula de eleição de foro deve guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação em questão. Tal exigência de pertinência territorial busca evitar abusos e garantir que a escolha do foro esteja de fato relacionada às circunstâncias reais do litígio, em vistas de promover uma distribuição mais equitativa dos processos judiciais e evitar o deslocamento injustificado de demandas para determinadas jurisdições.

Em segundo lugar, no que tange à inserção do § 5º, a norma introduzida destaca a possibilidade de o juiz declinar de ofício a competência em casos de ajuizamento de ação em foro aleatório, ou seja, sem vínculo com o domicílio das partes ou com o objeto do negócio jurídico em disputa, cujo objetivo é o de coibir práticas abusivas e desestimular estratégias de litigância oportunistas, assim como para contribuir com a eficiência e a celeridade na administração da justiça.

No entanto, apesar das intenções louváveis por trás dessas mudanças legislativas, algumas preocupações surgem quanto à limitação da autonomia contratual das partes, dado que, ao impor restrições territoriais à eleição de foro, a nova legislação pode restringir indevidamente a liberdade das partes de escolher um tribunal especializado ou mais adequado para resolver seus conflitos, de forma que essa limitação pode dificultar a celebração de contratos complexos que exijam a escolha de foros específicos para a resolução de disputas, o que, por via de consequência, gera incerteza e insegurança jurídica para os contratantes.

Ademais, a nova regulamentação do foro de eleição parece entrar em conflito com o princípio do negócio jurídico processual, consagrado no artigo 190 do Código de Processo Civil, segundo o qual, se valoriza a autonomia das partes na definição das regras procedimentais aplicáveis aos seus litígios. Significa dizer que, ao impor requisitos rígidos à eleição de foro, a lei pode prejudicar a capacidade das partes de adaptar o processo às suas necessidades e preferências específicas, comprometendo a eficácia e a eficiência do sistema judicial como um todo.

Diante dessas considerações, evidencia-se que a Lei nº 14.897/2024 representa uma mudança significativa no regime jurídico do foro de eleição no Brasil. Desse modo, a análise detalhada apresentada contribui para a compreensão das alterações trazidas e da necessidade de adequação das cláusulas contratuais referentes ao foro de eleição nas relações contratuais, para se amoldar às novas imposições legais.

JOÃO VITOR MEIRELLES

Advogado Empresarial

  1. ↩︎

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