A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) inaugurou no Brasil um marco regulatório que transcende a normatização do uso de dados pessoais, exigindo das empresas um compromisso ético que fortalece as relações entre agentes econômicos, titulares de dados e o mercado como um todo. Dois princípios fundamentais previstos no artigo 6º da Lei nº 13.709/2018 destacam-se nesse cenário: a transparência e a prestação de contas (“accountability”), conhecidos respectivamente como pilares de clareza e responsabilidade. Aliados ao princípio de cooperação entre os agentes de tratamento, esses pilares estabelecem um padrão de conduta baseado em confiança e responsabilidade, essencial para o funcionamento de um ambiente digitalizado.

A transparência, conforme delineada pela LGPD, vai além de meros formalismos legais. Ela impõe às empresas a obrigação de comunicar, de forma clara, objetiva e acessível, todos os aspectos relacionados ao ciclo de vida dos dados pessoais sob sua gestão, desde a coleta até o compartilhamento e eventual eliminação dessas informações. Essa exigência não se resume à publicação de políticas de privacidade extensas e tecnicamente detalhadas; pelo contrário, ela demanda que tais documentos sejam compreensíveis mesmo para indivíduos sem conhecimento especializado, eliminando jargões que dificultem o entendimento e promovendo um diálogo claro e direto com os titulares.

Referida obrigação não se limita a atender um requisito formal da legislação, mas traduz um compromisso com os titulares de dados, demonstrando respeito por sua autonomia informacional e assegurando-lhes a capacidade de tomar decisões conscientes sobre o uso de suas informações pessoais.

Adicionalmente, a transparência se revela um diferencial estratégico no mercado, especialmente em tempos de crescente preocupação com privacidade. Empresas que adotam práticas claras e acessíveis destacam-se como referências de ética e confiabilidade, fortalecendo sua reputação, mitigando riscos jurídicos e conquistando a lealdade de seus consumidores. Quando aplicada de maneira substancial e integrada às operações da organização, a transparência transcende o caráter normativo, consolidando-se como uma estratégia indispensável para o sucesso empresarial em um contexto de alta conscientização digital.

A prestação de contas, ou accountability, complementa essa abordagem, funcionando como um mecanismo que transforma intenções em ações concretas e verificáveis. Não basta que empresas declarem sua conformidade com a legislação; elas precisam demonstrá-la por meio de evidências consistentes que revelem como as normas são efetivamente aplicadas no dia a dia. Esse princípio impõe aos agentes de tratamento a implementação de processos estruturados e contínuos, como auditorias regulares, o mapeamento detalhado do ciclo de vida dos dados e a elaboração de relatórios de impacto à proteção de dados (DPIA), particularmente em operações de maior risco.

Trata-se de uma postura proativa que reforça a confiabilidade e evidencia o respeito aos direitos dos titulares. A accountability, como prevista na LGPD, não é meramente declarativa, mas prática e verificável, exigindo que as empresas demonstrem governança sólida e documentação adequada para assegurar a conformidade e a transparência.

O princípio da cooperação entre agentes de tratamento completa essa tríade essencial. Em um ambiente onde dados frequentemente transitam entre diferentes empresas — controladores e operadores —, é indispensável que as partes ajam de forma coordenada e ética. Contratos claros, que delimitem responsabilidades e estabeleçam mecanismos de resposta conjunta a incidentes de segurança, são fundamentais para evitar conflitos e prejuízos financeiros, além de proteger a reputação corporativa.

A relevância desses valores pode ser compreendida a partir de eventos históricos que evidenciam os impactos da ausência de transparência e accountability. O caso da queda da Enron, em 2001, é emblemático. A empresa norte-americana, que chegou a ser uma das maiores do setor energético, desmoronou após a revelação de fraudes contábeis que haviam sido ocultadas por anos. A falta de transparência em seus relatórios financeiros e a ausência de accountability de seus executivos não apenas levaram a um colapso econômico, mas também minaram a confiança pública em corporações de grande porte. Esse evento provocou reformas regulatórias significativas nos Estados Unidos, incluindo a criação da Lei Sarbanes-Oxley, que estabeleceu padrões rigorosos de transparência e responsabilidade corporativa.

De maneira análoga, a LGPD, no contexto brasileiro, busca consolidar a prestação de contas como um pilar central na relação entre empresas e titulares de dados, promovendo práticas que resguardem os direitos fundamentais e fomentem um ambiente comercial equilibrado e ético. A gestão de dados pessoais demanda das empresas um compromisso inegociável com a documentação precisa de suas práticas, bem como a adoção de uma postura cooperativa e ética no relacionamento com outros agentes envolvidos no tratamento dessas informações.

No atual contexto empresarial, onde a confiança é um ativo valioso, esses princípios não são apenas normas jurídicas, mas estratégias para construir relacionamentos sólidos e promover a sustentabilidade dos negócios em um ambiente cada vez mais competitivo e conectado.

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