A promulgação da Lei nº 14.711/2023, denominada Marco Legal das Garantias, representa uma das mais relevantes alterações legislativas no campo do crédito no Brasil nas últimas décadas.

A norma foi concebida não apenas como um ajuste pontual ao ordenamento, mas como verdadeira reestruturação do sistema de garantias, com o objetivo declarado de ampliar a eficiência na recuperação de créditos, reduzir os riscos assumidos pelas instituições financeiras e, por consequência, fomentar a diminuição das taxas de juros cobradas aos tomadores.

Tradicionalmente, o Brasil convivia com índices extremamente baixos de recuperação de garantias em caso de inadimplemento, o que implicava em elevação do custo do crédito. Enquanto em países emergentes a taxa média de recuperação superava os 40%, no Brasil o índice não ultrapassava 18%, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Essa discrepância resultava em repasse do risco ao consumidor final, que arcava com juros significativamente superiores.

O Marco Legal das Garantias, nesse contexto, visa a corrigir uma distorção histórica, ao aproximar o sistema nacional de padrões internacionais de celeridade e segurança jurídica.

Entre as inovações de maior impacto, destaca-se a possibilidade de execução extrajudicial de créditos hipotecários, até então restrita a hipóteses específicas de alienação fiduciária. A lei atribui aos Cartórios de Registro de Imóveis papel central nesse processo, conferindo-lhes a competência para promover a intimação do devedor e a realização de leilões públicos, caso não haja purgação da mora no prazo legal. Esse mecanismo traduz-se em avanço relevante no movimento legislativo de “desjudicialização”, ao transferir para a esfera extrajudicial atos tradicionalmente submetidos ao Poder Judiciário, preservando-se, entretanto, as garantias constitucionais do devido processo legal e do contraditório.

Outra mudança substancial introduzida pela Lei nº 14.711/2023 diz respeito à possibilidade de utilização múltipla de um mesmo bem como garantia, por meio da alienação fiduciária sucessiva ou da chamada “recarga de crédito”. Essa inovação rompe com a lógica de subutilização dos ativos, permitindo que o devedor, à medida que amortiza a dívida originária, possa alavancar novamente recursos junto ao mesmo credor, mediante simples averbação na matrícula do imóvel.

Não obstante, a legislação também institui mecanismo de cross-default, autorizando que o inadimplemento em uma das operações de crédito vincule e antecipe a exigibilidade das demais garantidas pelo mesmo bem, o que impõe ao devedor cautela redobrada e uma gestão financeira mais rigorosa.

O diploma legal igualmente positivou a figura do Agente de Garantia (art. 853-A do Código Civil), incumbido de centralizar a administração dos bens vinculados às obrigações garantidas em operações estruturadas que envolvam múltiplos credores. A introdução desse instituto, inspirado em práticas já consolidadas em outros mercados, busca conferir maior profissionalismo e segurança às relações negociais, reduzindo a burocracia e mitigando potenciais conflitos de interesses entre credores distintos.

Do ponto de vista prático, os efeitos da nova legislação são ambivalentes. Para as empresas, a expectativa é de que a maior eficiência na recuperação de garantias reduza o custo do crédito e amplie as possibilidades de financiamento, sobretudo pela inclusão de ativos como quotas societárias, ações ou equipamentos no rol de bens aptos a lastrear operações. Todavia, a maior agilidade na excussão dos bens implica riscos mais severos em caso de inadimplência, exigindo prudência contratual e assessoria jurídica constante. Para as pessoas físicas, especialmente em operações imobiliárias e de veículos, a “recarga de crédito” poderá representar maior conveniência, mas o instituto do cross-default poderá igualmente tornar um problema pontual em potencial colapso financeiro.

Em conclusão, o Marco Legal das Garantias inaugura um novo paradigma normativo e econômico, marcado pela conjugação de maior dinamismo no acesso ao crédito com maior rigor na recuperação extrajudicial das garantias.

Se, por um lado, abre caminho para taxas mais competitivas e maior circulação de ativos no sistema financeiro, por outro, impõe a tomadores e empresas uma postura preventiva, pautada pela análise minuciosa de riscos contratuais e pelo acompanhamento jurídico especializado.

Nesse cenário, o papel do advogado empresarial transcende a atuação contenciosa, assumindo contornos consultivos e estratégicos, fundamentais para que clientes possam usufruir das oportunidades abertas pela nova legislação sem se expor a vulnerabilidades excessivas.


CARLOS EDUARDO PUGLIESI
Advogado Empresarial

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